quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O loendro e as auto-estradas

Na vida e na natureza, a beleza e o perigo andam algumas vezes de mão dada. É o caso do loendro. Uma frondosa flor rosa ou branca que alegra jardins, campos, caminhos, estradas e auto-estradas e que é extremamente venenosa. Uma simples folha é tão tóxica que ingerida pode matar qualquer pessoa. Respeitando a sua identidade mortífera e apreciando a sua beleza sem lhe tocar, tudo é maravilhoso. Ignorando-a, habilitamo-nos a sofrer violentamente.
Esta planta é muito resistente e tem flor durante grande parte do ano. Talvez por isso seja tão utilizada nos separadores centrais das auto-estradas. Talvez também para nos lembrar que devemos respeitar certas regras para podermos continuar a contemplar e saborear este mundo fabuloso, colorido de fascinantes cheiros, sons, cores e sabores.
Com chuva ou nevoeiro devemos abrandar a velocidade pois pode haver um obstáculo fora do campo de visão habitual e fora do controlo normal da nossa forma de conduzir. E, atenção, abrandar pode querer dizer passar de 120 Km por hora para 40 ou 50, respeitando as regras da natureza.
Votos de uma bonita viagem.

domingo, 15 de agosto de 2010

A barrela, o sabão e o cadeirão

Vivia-se ou melhor, sobrevivia-se, no interior profundo da serra de Monchique, estávamos na década de 50. Não foi há tanto tempo assim, apenas pouco mais de meio século. E esta história podia ter-se passado em qualquer outro local do país, especialmente no meio rural.
Nessa época quase não havia dinheiro mas ela sonhava um dia poder ter todas aquelas coisas boas que ouvia falar nos livros, pois sempre gostou muito de ler.
- Oh minha mãe, o que é um sofá ? E uma alcova ? E um telefone ?
- Cala-te filha, sei lá o que é isso, credo ! deixa-te de perguntas parvas e vai mas é trabalhar !
Trabalhava-se do nascer ao por do sol. Tudo ali tinha que ser produzido a partir da natureza. O linho que se plantava para mais tarde fiar e tecer os tecidos dos lençóis e das roupas, a lã para as mantas no rigoroso inverno serrano, os legumes que vinham da horta que tinha que ser regada quase todos os dias, os animais que se criavam para comer num dia de festa ou, no caso das galinhas, quando alguém adoecia. Os ovos sempre podiam ser vendidos na cidade e assim ganhar-se algum dinheiro para a soda cáustica e outros preparados químicos ou para remédios. O pior eram as distâncias. Dali até à cidade eram mais de 20 Km e ela tinha que ir de burro ou melhor, de macho, que o burro era muito lento. Não havia medo de ladrões nem de outros malfeitores. O maior medo era dos lobos. O pai dela já tinha sido atacado por um e não ficou nada bem.
Ela também ia todos os dias à escola, a pé que ficava a uns 10 Km e nunca se sentia cansada. Era muito divertido fazer esse percurso, sozinha ou com os amigos e ela adorava a escola pois sempre adorou aprender coisas novas. Se não fosse a falta de dinheiro que fez com que interrompesse os estudos hoje, muito provavelmente, seria professora mas… é a vida ! Mesmo nos dias de chuva, vento e frio, lá ia ela. A chuva não fazia mal a ninguém e, se fizesse, era só um dia ou pouco mais de febre e lá passava tudo. Que remédio tinha senão passar. Não havia hospital por perto e os médicos eram muito caros. Quando ficava alguém com uma gripe forte, a que chamavam de catarral, havia um remédio santo que todos tomavam: chá da ferrugem. Ao pé das lareiras algumas áreas iam ganhando ferrugem e, depois era só raspar para uma cafeteira com água e ferver. Quase sempre se resolviam as gripes com este remédio caseiro. Para os casos mais graves, compravam-se os tablotes que eram muito eficazes para a febre, assim como as papas de linhaça e água de aivenca. A canja de galinha era o complemento perfeitos destas terapias naturais.
As lareiras também produziam uma matéria prima muito importante na economia de subsistência da altura: a cinza. Isso mesmo, a cinza era usada, vejam só, para branquear o linho, a roupa branca em geral e, por vezes, até para arear as panelas de latão, a que chamavam panelas de arame. Fervendo a cinza com água e depois coando obtinha-se um preparado químico especial para branquear, desinfectar e tirar nódoas que mais tarde foi substituído pela lixívia, hoje tão vulgar e tão economicamente disponível nos nossos supermercados. Depois de lavada com sabão, a roupa era passada pela água fervida de cinza, a que se juntavam pedaços de rosmaninho, alecrim ou alfazema e, acreditem, diz ela, era um cheirinho perfumado tão bom que nem hoje, os mais avançados amaciadores nos conseguem dar. Chamavam-lhe a Barrela. Todas as semanas, pelo menos uma vez, havia barrela lá em casa, naquela pequena aldeia com 60 pessoas que viviam apenas do que a terra lhes dava. Hoje já só restam por ali pouco mais de 3.
O sabão também era uma coisa que ela ajudava a fazer. Juntava-se a banha do porco com soda cáustica, um quilo de cada, e ia a ferver com quatro litros de água. O preparado era então colocado numas formas de madeira e deixava-se solidificar. Saiam dali as barras de sabão, com uma tonalidade esbranquiçada e azulada, que serviam para lavar tudo lá em casa.
Só não lavava a sua grande sede de conhecimento que a levou a perguntar à D. Lurdes, pessoa erudita sua conhecida e vendedora dos livros que ela comprava, o que era uma alcova e um sofá ao que ela lhe explicou que a alcova era um quarto de dormir e o sofá era assim uma espécie de cadeirão. Foi por isso que, um dia, já ela namorava, o pai disse-lhe: - “Oh filha ! agora que já namoras, o pai tem de pensar em comprar-te uma mesinha e quatro cadeirinhas em madeira”. Ao que ela retorquiu prontamente: - "Oh ! meu pai, obrigado mas cadeirinhas não ! Compre-me é um cadeirão !"
Quando hoje lava as suas mãos com sabonete, quando se deita nos seus lençóis lavados ou quando se senta confortavelmente no seu sofá, ela pensa nesta história e agradece pelas coisas boas e pelos momentos tão ricos e maravilhosos que a vida lhe tem proporcionado.
E você ?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Freeport

As pessoas estão cada vez mais bonitas. Umas pelo seu desenvolvimento interior. Outras pela forma como se apresentam. Outras pelas duas coisas que, de algum modo estão interligadas.
O vestuário tem vindo a evoluir continuamente nas últimas décadas e temos hoje criações lindíssimas, de designers nacionais e internacionais famosos, a preços muito acessíveis. É interessante contemplar uma peça de roupa e descobrir todos os seus pormenores, desde o tecido obtido a partir de uma flor de algodão ou de um fio de seda, até às cores, ao corte, aos acabamentos de bom gosto e uma multiplicidade de acessórios criativos que inundam de charme e beleza quem a usar.
É fantástico que quase todos podemos comprar várias novas peças de roupa ao longo do ano, mas lembremo-nos que os nossos ancestrais tiveram apenas alguns fatos em toda a sua vida e que, hoje, em quase todo o planeta, ainda assim é ... muita gente de tanga !
Com os gostos a alterarem muito rapidamente, também as roupas vão acompanhando, ao longo das épocas, essas mudanças. A moda vai ditando as suas regras e o vestuário rapidamente se desactualiza. Por isso as grandes marcas de vestuário, calçado e acessórios têm necessidade de escoar alguns dos seus produtos que não se venderam numa dada época e promovem, algumas vezes por ano, uma coisa excepcional que se chamam "Saldos". É fantástico nos Saldos podermos adquirir uma peça de roupa ou uns sapatos da mais elevada qualidade por um preço incrivelmente baixo, apenas porque já passou de moda.
Ficamos certamente ainda muito elegantes e bonitos apesar de não ser o último grito da moda e a nossa carteira agradece.
Agora imaginem o que seria termos esses Saldos a qualquer hora, todos os dias do ano !
Pois é ! Huau ! Isso já existe ! O engenho humano criou um local onde se pode adquirir vestuário e calçado de grandes estilistas e de grande qualidade, muito barato, todos os dias do ano !
É o Freeport ! Em Alcochete ! Têm sempre saldos ! Vale a pena ir até lá !
Julgo que é por isso que tanto se tem falado nos últimos meses, nos nossos jornais e na nossa TV, deste espectacular empreendimento !

domingo, 8 de agosto de 2010

O Papa também obra

Que Sua Santidade me perdoe de utilizar a sua pessoa para explicar melhor esta poesia de Deus: Todos os humanos defecam. É verdade, mesmo as figuras públicas mais famosas obram. A natureza dotou a generalidade das pessoas de alguns dons especiais como a beleza, a inteligência, a força ou habilidade artística mas, tal como uma rosa frondosa tem os seus espinhos, todos nós temos outras coisas menos belas e, por isso, completamente esquecidas pelos meios de comunicação quando abordam a vidas dos VIP's. Estou a falar dos actos mais básicos naturais da nossa existência como urinar, espirrar, arrotar, defecar, dar gases, cuspir, vomitar ou outros comportamentos, considerados menos dignos, como comer com a boca aberta, insultar alguém, fumar num local fechado ou fazer nudismo.
Pense no seu cão. Ele ladra a qualquer hora ou em qualquer local e faz as suas necessidades a céu aberto. Você apanha e coloca no lixo sem qualquer problema. O cão é mesmo assim. E você adora-o.
Agora pense numa figura célebre, no Papa por exemplo. Eu admiro-o pela símbolo de paz e de amor que ele representa para a humanidade mas sei, também, que ele é uma pessoa normal como eu ou como você. Temos a nossa cabeça cheia de imagens e sons filtrados pelos meios de comunicação, pela nossa educação ou apenas pela nossa imaginação mas, será que conseguimos imaginá-lo sentado numa sanita do Vaticano ou em frente a um urinol, várias vezes por dia. E se for a arrotar. Ou apenas a ressonar ou a espirrar. Ou zangado com alguém. Ou nú. São tudo exemplos de coisas simples que quase todos nós fazemos, todos os dias, até com alguma arte envolvida mas que, por causa dessa tendência, também natural, de protecção do nosso ego e de defesa da nossa imagem pública, somos levados a encobrir ou, mais incrivelmente, a esquecer que existem, para não perturbar aquela falsa imagem divina que temos de alguém ou, até de nós próprios.
Não há pessoas boas nem pessoas más. Todas as pessoas fazem coisas boas e outras menos boas. Faz parte da sua natureza. O google, o youtube, o facebook ou o blogspot são hoje instrumentos fantásticos para elevar a consciência humana a esse nível de divindade, aceitando naturalmente que todos nós, sem excepção, temos e fazemos coisas excepcionais e coisas horríveis. Desde o Dalai Lama, passando pelos famosos actores de Hollywood, até aos políticos mais credíveis como o Marcelo Rebelo de Sousa.
Como eu, como você, todos eles obram. E os seus dejectos são tão bons para fertilizar o solo como os seus ou os meus. Todos sabemos isso mas, claro, há coisas que teimamos em esconder, ignorar ou até desmentir e ridicularizar.
Quem nunca obrou que atire a primeira pedra.
Uma sanita é um objecto branco cristalino brilhante, criado pelo homem, com um design espectacular e uma beleza únicos. A imagem de um papa sentado nela só pode ser aceite, contemplada e apreciada por um poeta muito especial.