domingo, 26 de junho de 2016

Viciados em sapatos


O homem é o único animal na natureza que usa sapatos. Porquê? Se todos os animais têm as calosidades naturais que lhes permitem andar por cima de tudo sem qualquer problema, sejam pedras, terra, picos, urtigas, relva ou mato, porque é que o homem precisa de usar sapatos?

Provavelmente porque alguém um dia se aleijou num pé e, com medo de voltar a aleijar-se, resolveu criar uns sapatos. Até aqui tudo bem. O problema é a crença de que o homem precisa SEMPRE de sapatos para sobreviver na natureza. A partir daí toda a gente usa sapatos, os pés ficam mais frágeis e a crença torna-se mesmo verdade. Mais do que uma crença tornou-se um vício esquizofrénico com requintes tais que é obrigatório o seu uso e quanto melhores e mais bonitos forem, mais importante será o seu dono ou dona.
Imagine que decide deixar de usar sapatos e começar a criar as calosidades necessárias para deixar esta dependência secular da raça humana. Claro que iria ser considerado um marginal, talvez um pobre mendigo ou, pior ainda, um louco perigoso.
O corpo humano que é perfeito, tem uma forma de sobreviver na natureza sem sapatos. Mesmo depois de tantos séculos viciados em sapatos, todos nós ainda conseguimos criar uma sola natural se, durante alguns meses ou anos, formos treinando os nossos pés para pisarem todo o tipo de coisas que os sapatos também pisam. E muito melhor, sem ter que comprar, calçar e descalçar sapatos todos os dias, sem apertos nem bolhas nos pés.
Mas, acha que conseguia?
Pode desculpar-se com os seus amigos e familiares que não o deixam andar descalço ou que, calçado, se sente mais belo e feliz. Pode dizer que a culpa é da poderosa indústria dos sapatos com os seus lobbies. Pode até começar o processo mas, a meio, aleija-se numa pedra afiada e começa a pensar que não vale a pena. Que os outros é que têm razão, pois todos precisamos de sapatos para viver. Algumas vezes sentir-se-á eufórico pois já consegue fazer 10 quilómetros sem sapatos mas, um dia, não o deixam entrar num restaurante ou no emprego, perde a fé e volta a calçar-se. Até pode chegar a culpar-se que, por andar descalço, fere a sensibilidade das outras pessoas.
Consegue aceitar a responsabilidade de que este assunto de conseguir uns pés descalços, resistentes a tudo, é exclusivamente seu? Consegue entender que os outros, as crenças ou artefactos exteriores, podem prejudicar o seu corpo e torná-lo mais frágil. Que este problema não é do seu corpo mas dos seus hábitos de vida?
Perder o vício dos sapatos é uma tarefa árdua e penosa. Não sei se vale a pena o esforço. Mas, por favor, não diga que o seu corpo perfeito, criado por um Deus poeta, é que tem a culpa das debilidades a que você o habitua.
Se não fizer exercício durante muito tempo e depois começar a usar bengala não diga que é velhice. Se usar óculos cada vez mais graduados não diga que tem a vista cansada. Se comer em demasia não se queixe que está gordo. Se tomar medicamentos por tudo e por nada não diga que é uma pessoa doente. Se fumar não diga que a culpa é do stress. Acreditamos em muitas histórias que não fazem sentido apenas para alimentarmos os nossos vícios. Esta dos sapatos é apenas uma delas, para tomarmos consciência do poder que temos se quisermos mesmo mudar a nossa vida, para algo que sentimos ser melhor para nós.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Teres Humanos

Num planeta perdido algures no espaço, no meio de 100 mil milhões de galáxias, habitam uns seres que acreditam ser aquilo que têm. São os chamados Teres Humanos. 

Por isso se referem a quase tudo o que os rodeia como "meu". O meu país, a minha casa, a minha família, o meu dinheiro, o meu carro, o meu telemóvel, o meu emprego e até dizem o meu corpo, o meu filho ou o meu curso. Para tal criaram uma infinidade de entidades que certificam a sua crença profunda: Notários, registos, bancos, governos, empresas de telecomunicações e outras. Como vivem numa dimensão relativa comparam-se uns com os outros e admiram-se, veneram-se ou repudiam-se e invejam-se pelo que uns e outros têm. Um ter humano é mais importante que outro pelo país em que nasceu, o curso que tirou, o corpo que tem, o cargo que ocupa no emprego ou os terrenos, casas,  dinheiro que  estão registados em seu nome.

São poucos os Teres Humanos que sabem quem são. Alguns mais despertos já sabem que não são nada e são tudo, porque a sua existência nada mais é que uma partícula divina que, algures no tempo e espaço, decidiu ter uma experiência dual. Talvez por curiosidade ou ignorância resolveu separar-se da fonte mas o seu poder continua infinito e tudo e todos à sua volta são afetados pelo seu ser.
No entanto a experiência na matéria e a sensação de separação parece tão real que ele começa cedo a acreditar que a posse de coisas externas ou títulos é eterna e dá felicidade. Não é e não traz. Felicidade é a consciência do ser como algo eterno e não dual, perfeito, infinito, imutável e luminoso. Amor, Deus, Infinito invisível ou Ser Superior podem ser algumas das palavras que mais se aproximam desse conceito.

Um Ter Humano focado totalmente na existência material, terá uma ideia da vida  como um carrossel entre prazer e sofrimento, conforme aquilo que possui e em que se viciou mental e emocionalmente: Coisas, pessoas ou hábitos. 

Mas um Ter Humano com uma consciência espiritual do ser, relativizará tudo o que acontece no espaço-tempo pois ele sabe que não é daqui. Está apenas de passagem. A marca que aqui deixar, especialmente a que se aproxima mais daquilo que normalmente se chama arte, filosofia ou expressão genuína do ser, também é eterna. Sem medos pois todas as coisas físicas perecerão, tanto os anéis como os dedos. 

Só o amor é eterno.