Um dia, por acaso ou por alguém mal intencionado, apareceram vidros partidos em vários locais onde os indígenas passavam e alguns, sobretudo os mais velhos, com os calos mais fragilizados, apareceram com feridas graves. E chegaram mesmo a morrer vários anciãos.
Foi decretado o estado de pedemia pelo chefe da tribo.
O medo apoderou-se das pessoas. Não se sabia o que era aquilo dos vidros. Durante 9 meses quase ninguém saía das suas palhotas para dar passeios ou visitar os amigos.
Foi pedido e depois exigido que todos usassem meias até que a situação acalmasse.
Também por acaso, apareceram então uns indígenas de uma tribo vizinha, a apresentarem uma inovação que tinha salvo as suas populações de uma pedemia semelhante: Os sapatos.
Havia 3 ou 4 qualidades de sapatos. Todos garantiam que 90% das pessoas que os usassem nunca mais iriam sofrer dos pés. Mas, na realidade, quem pagasse os sapatos, jamais receberia o dinheiro de volta.
Passado 1 ano quase toda a população indígena andava calçada.
As pessoas só falavam dos vários tipos de sapatos e de como ficavam bem vistosos assim calçados. Alguns e, sobretudo, algumas usavam saltos altos para parecerem maiores. Claro que de vez em quando feriam os pés e tinham que recorrer a um novo curandeiro que entretanto chegou à aldeia, vindo da outra tribo. Ele vendia umas meias e umas pomadas especiais para os pés feridos dos sapatos.
Ainda morreram uns quantos anciãos e até crianças com infeções graves provocadas pelo calçado inadequado. E os sapatos gastavam-se e tinham custos para serem reparados ou substituídos. Mas ninguém parecia interessar-se por isso. Chamavam-lhe o "novo normal". Era um avanço civilizacional importante, inovador e moderno.
Nunca mais andaram descalços. Apenas uns quantos resistentes, marginais, muito mal vistos pela tribo em geral, continuavam a resistir aos sapatos.
Nunca se chegou a apurar a questão dos vidros partidos.
A tribo vizinha enriqueceu como nunca, desde que há memória.